O que há na sua janela?

Um dia fui apresentada a esta poesia de Cecília Meireles, e na ocasião o assunto era as frivolidades que víamos e passavam desapercebidos aos olhos daqueles que insistem ser cegos. Mas que para nós se tornavam imprescindíveis, e de tão bobo e comum acaba nos arrancando um sorriso e ouso a dizer que vem juntamente a ele uma calmaria diante de um dia atribulado...

Esta pessoa disse que nunca tinha mostrado a poesia a ninguém, a "escondia" por acreditar que esta a pertencia. Depois de uma noite de conversa ela, a poesia, foi dividida comigo... e agora quero dividir com quem puder... espero que gostem tanto quanto eu gostei...

'A arte de ser feliz

Cecília Meireles
 

Houve um tempo em que minha janela se abria sobre uma cidade que parecia ser feita de giz. Perto da janela havia um pequeno jardim quase seco.

Era uma época de estiagem, de terra esfarelada, e o jardim parecia morto. Mas todas as manhãs vinha um pobre com um balde, e, em silêncio, ia atirando com a mão umas gotas de água sobre as plantas. Não era uma rega: era uma espécie de aspersão ritual, para que o jardim não morresse. E eu olhava para as plantas, para o homem, para as gotas de água que caíam de seus dedos magros e meu coração ficava completamente feliz.

Às vezes abro a janela e encontro o jasmineiro em flor. Outras vezes encontro nuvens espessas. Avisto crianças que vão para a escola. Pardais que pulam pelo muro. Gatos que abrem e fecham os olhos, sonhando com pardais. Borboletas brancas, duas a duas, como refletidas no espelho do ar. Marimbondos que sempre me parecem personagens de Lope de Vega. Ás vezes, um galo canta. Às vezes, um avião passa. Tudo está certo, no seu lugar, cumprindo o seu destino. E eu me sinto completamente feliz.

Mas, quando falo dessas pequenas felicidades certas, que estão diante de cada janela, uns dizem que essas coisas não existem, outros que só existem diante das minhas janelas, e outros, finalmente, que é preciso aprender a olhar, para poder vê-las assim'